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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

negro é a raiz da liberdade

O que acabo de ler, me encanto e compartilho. Escritos de Fabiana Cozza sobre a grande rainha do samba!

"Tenho pensado muito em Dona Ivone. Quero dizer a ela de minha saudade e por isso hoje escrevo dela e pra ela. Talvez fique feliz com um telefonema e pergunte “ô filha, você está bem? Cantando bastante?”.


Dona Ivone, nossa rainha, é uma esperança brotada e soprada pelos ventos do Brasil.
Algumas vezes segurei as mãos desta mulher que carrega coroa de ouro no peito. Já tive o prazer de conduzi-la ao palco e assistir sua luz colorir e arrastar um mundo à sua frente.

Numa das últimas vezes enxerguei o tempo caminhar junto dela. Uma sabedoria que vinha de longe. Sentada numa cadeira, cuidadosamente posicionada na coxia, ela aguardava sua vez de abrir a cortina.

“Está tudo bem Dona Ivone?”, disse.

“Essa minha perna filha é que não me ajuda. Hoje vai ser difícil”, confidenciou baixinho.

O roteiro avançava anunciando a hora, a estreia. Para essa rainha, o palco é rebento, começo, onde ela faz sua oração há mais de 50 anos.

Cheguei perto.

“Vamos Dona Ivone, tá na hora”. Levantamos Dona Ivone eu e Suely, sua produtora. Ela reclamou da dor e seguiu em passos lentos.

À beira do palco, atendeu aos tambores e chamou a África e todos os que partiram de lá e para lá retornaram. Tudo o que a molestava havia ficado pra trás neste instante.

“Negro é a raiz da liberdade, negro é a raiz da liberdade”, afirmou.

A plateia, em pé, entoava o hino com gratidão e amor e lançava flores imaginárias verde e branco imperial sobre a rainha.

Aos 89 anos, seu corpo generoso, sua ginga faceira, seus pés ancestrais, sua poesia, sorriso e alegria vivem como enamorados no coração de todos os que já participaram de um concerto desta senhora.

Penso em Dona Ivone e lembro-me do texto “Elas levam a vida nos cabelos” do escritor uruguaio Eduardo Galeano que fala sobre a fuga de negras escravas na costa do Suriname. Na parte final, ele escreve:

“(…) Antes de escapar, as escravas roubam grãos de arroz e de milho, pepitas de trigo, feijão e sementes de abóbora. Suas enormes cabeleiras viram celeiros. Quando chegam nos refúgios abertos na selva, as mulheres sacodem as cabeças e fecundam, assim, a terra livre.”

Dona Ivone, nossa rainha, é uma esperança brotada e soprada pelos ventos" (FABIANA COZZA EM 11.11.10 - 13h35)


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Fabiana Cozza é a artista mais bela que já assisti no palco. Com maestria consagra música, dança, teatro. Puramente mágico! Cada movimento seu, um símbolo. Tive a sorte de presenciar em 2007, seu reencontro ancestral com Karu Torres, minha grande amiga, parceira de curso e projeções. Foi lindo! Após o show "Quando o Céu Clarear" no SESC Pinheiros-SP, com participação de Ivone Lara, assisti ao abraço das duas "irmãs de alma". Era o reencontro. No mundo das artes. "Karu, minha irmã, gosto de você de graça", Fabiana Cozza disse. Chamou um homem que estava por perto e prosseguiu "Pai, venha conhecer a Karu, não parece minha prima?". Karu já era membro da família. Antes de adentrarmos ao teatro, quando Karu procurou a produção para pegar nossos convites, eles brincaram dizendo que iam pra Belo Horizonte comer tutu em sua casa. Depois do abraço das duas irmãs, ficou selado o convite de Karu. De volta pro hotel, Karu, Poli e eu não falávamos de outra coisa que não fosse o show. Os olhos da Karu brilhavam, ela apenas acenava a cabeça como que recordando outras eras. Balançava a cabeça, pensava e repetia pra si mesma "gosto de você de graça". E comentava da primeira vez que a assistira em BH, quando foi acompanhar ao amigo Cristiano. ......Dois breves encontros para o reencontro. Poucos meses se passaram, Karú Torres, torna-se a produtora cultural em Minas da sua irmã Fabi, apelido carinhoso dado por ela à diva do samba.

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