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domingo, 12 de dezembro de 2010

texto teatral x Tribunal do Júri

...no Tribunal do Júri é posssível enxergar alguns elementos teatrais, dentre eles, o texto teatral.

"O texto teatral sempre traz um momento histórico. Diferentemente de outras formas culturais (romance, conto, poesia), o texto do teatro causa impactos bem maiores que se refletem na temática, na forma com que o assunto é abordado, na cenografia, na iluminação e até mesmo no ritmo. A própria estrutura textual - o diálogo, as rubricas, a ausência de um narrador – o difere do texto escrito somente para ser lido.

No Tribunal do Júri, o texto compõe-se pelo trabalho dos operadores do direito. Mesmo tendo suas peculiaridades, é possível enxergar a narração como a sua grande forma. O enfoque, o fato criminoso; sua síntese, o conflito humano na sociedade. No teatro, cada autor tem um estilo, propõe uma linguagem, podendo ela ser, por exemplo, rebuscada ou regionalista. No Tribunal, os “textos jurídico-teatrais”, pelas próprias formalidades processuais penais, apresentam o mesmo estilo: seguem uma seqüência de procedimentos a compor os autos , linguagem, forma jurídica. Sendo a representação por atores o fim do texto teatral, na mesma linha está o “texto-jurídico-teatral”, que é concebido para ser narrado pela defesa e acusação no plenário.

É de uma grandeza e riqueza incrível esse material, pois ali a narrativa é recheada da memória emotiva dos depoentes. São relatos vivos capazes de mexer com o imaginário de quem os lê. É um grandioso material para ser adaptado numa peça teatral. Personagens definidos. É daquele “texto-jurídico-teatral” que o debatedor extrai sua fala, a fala do seu personagem. Por conta da redação do texto ser feita pelos próprios narradores dos fatos, nada impede o comparativo desse processo de criação com o processo colaborativo do teatro (que resulta em texto teatral). Fatos concretos são trabalhados na criação colaborativa, fazendo sempre presente certa realidade a ser contestada, escancarada para o público. Os atores é quem criam o texto. Dão a importância devida aos seus personagens.

No Tribunal do Júri também. Não há um diretor a guiá-los. A proposta do texto é o próprio acontecimento criminoso, com um pano de fundo social, ponto de partida para a improvisação dos debatedores. É o jogo, é a criação que acontece ali, naquele momento. Exemplo disso é a tréplica calcada na réplica, em que o acusador vai acrescentando novos elementos ao seu personagem durante o próprio Julgamento, a narração dos fatos. Assim, é nesse “jogo” do debate que o texto narrado é construído, mediante certa improvisação.

Também é possível entender cada peça processual como sendo um quadro a ser “encenado” durante o Júri. Sabe-se que a dramaturgia de Brecht é diferenciada: sua forma de escrita é o contraposto da unidade de ação proposta por Aristóteles. Folheando os autos, pode-se comparar cada peça processual a um ATO de um texto teatral. Peça acusatória, depoimento das testemunhas, quaisquer que seja, tem seu início, meio e fim, por si só.

De forma semelhante ao teatro, no Tribunal do Júri o texto é apenas um elemento constituinte do espetáculo, trazendo acusado e vítima, seus principais personagens. Observando tão só o “texto-jurídico-teatral” encontramos apenas estes personagens e as testemunhas, o que não ocorre quando olhamos o momento do espetáculo do Tribunal.

Ali, os operadores do direito, se transformam em atores/personagens: os vemos enquanto personagens, enquanto “classes representativas” da sociedade. No momento do espetáculo, os holofotes transfiguram os operadores jurídicos em personagens que contracenam não só com os personagens simbólicos do texto (acusado, vítima e testemunhas), mas com a platéia e os jurados. De fato, o teatro jamais existe sem o ator. Até então, havia o texto, o trabalho intelectual do operador jurídico - o mundo das letras e da imaginação. Agora, há o ator em cena, presente no palco, transfigurado no seu personagem. Está ele, antes de ser ouvido, sendo assistido."


trecho da monografia "Teatralização do Tribunal do Júri - Palco e Platéia: Diálogo entre do Direito e Teatro" escrita por Eliene Rodrigues sob orientação de Luiz Humberto Martins Arantes, quando do curso de pós-gradução lato sensu em Interpretação Teatral pela UFU-MG (2005)

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