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domingo, 24 de julho de 2011

...a referência dourada e os irmãos naves



...2011 começou 'alumiado'...


No último 23 de fevereiro, a sorte grande nos levou (a mim e ao querido amigo Thiago Briglia) ao encontro de Jean Claude Bernardet que, generosamente não só nos possibilitou um “norte” sobre o universo da escrita do roteiro do filme O CASO DOS IRMÃOS NAVES, quanto nos provocou grandes despertares. De lá, saímos em silêncio, ruminando, ruminando, ruminando.... ruminando não só o que ele nos disse, mas tudo o que sua iluminada 'aura' e sabedoria nos contaminou.

Gracias ao Jean pela sua generosidade em compartilhar conhecimentos!
Gracias ao Walter Bahia pela prontidão dos contatos!


...Aqui, agora, é compartilhado um 'cadinho' do que nos foi 'alumiado'.


Inspirado no livro O CASO DOS IRMÃOS NAVES* de João Alamy Filho, o filme de mesmo nome dirigido por Luis Sérgio Person e roteirizado por Jean Claude Bernardet foi concebido para denunciar a ditadura e a violência dos anos de 1960.

O livro de João Alamy Filho (1960), um relato da injusta condenação dos Irmãos Joaquim e Sebastião Naves, foi concebido para esclarecer a verdade e tentar contribuir para a melhor aplicação da lei. Um misto de literatura com transcrições dos autos processuais do considerado maior erro judiciário do Brasil. O filme (1967) não seria um instrumento para relatar o erro judicial, mas uma verdadeira metáfora política dos anos 60, pois “o Julgamento dos Naves se deu no início do Estado Novo, com um judiciário submetido às novas autoridades, e naquele momento, a justiça tinha deixado de existir e se instalara um regime de violência e arbitrariedade”, conta Bernardet.

O roteiro do filme traz uma estrutura linear (cronológica dos fatos). O início da escrita se deu por narrativas. Houve um acúmulo de material-base (leitura, pesquisa) sem a preocupação de formatar o roteiro. Tudo em conjunto com o diretor, o Luis Sérgio Person que, em 1949 quando ficara moralmente indignado com a injustiça, guardara um recorte amarelecido da Revista Cruzeiro e o apresentara a Jean como “convocação” para a escrita do roteiro de um filme.

Antes de criar o argumento o roteirista propôs ao diretor duas perspectivas, duas estruturas de roteiro. Uma cronológica, linear. A outra, um Tribunal, estrutura na qual, por meio das próprias falas dos personagens, em observância à “ordem processualística” do Tribunal levava ao momento da tortura. Person gostou desta proposta, contudo por entendê-la como uma estrutura muito intelectual, teve receio de não atingir todo o público e optou pela estrutura linear.

As escritas se davam de manhã. À tarde o roteirista lia com o diretor e previam o que seria escrito na manhã seguinte. Toda a fase inicial foi concebida sem a presença do autor do livro que teve acesso ao roteiro numa fase bastante evoluída, quando chegou a se reunir com o roteirista e o diretor, mas que não transpareceu entusiasmado ao notar que o filme não tinha a intenção de “heroizá-lo”, muito embora o reconhecesse um advogado corajoso ao enfrentar a polícia e assumir riscos.

[...] Naquele momento não confiávamos na justiça. Não acreditávamos em situações legais. [...] não estávamos vivendo num Estado de Direito, portanto, não acreditávamos na justiça. Mas também não estávamos nos organizando para a luta armada. Isso era muito claro, em função disso não podíamos transformar o Alamy em mocinho. O filme reconhece a coragem dele, enfrentou a polícia. No entanto, não é o mocinho. (BERNARDET, 2011)

Por considerarem na época uma justiça oprimida e subserviente, não “puderam-quiseram” o diretor e o roteirista, transformá-lo em mocinho.

Jean também destacou o filme como espetáculo. Um espetáculo que precisa seduzir e emocionar o público. “O filme é um espetáculo sim, isso é importante. E o filme tem uma função social, a gente está fazendo isso, mas não é à-toa”, ele afirmou. E o filme O Caso dos Irmãos Naves teve e tem uma carreira: é um instrumento pedagógico utilizado tanto nas faculdades de Direito, quanto nas Instituições de formação de policiais militares.


Sereno, leve, voz suave, quando indagado sobre qual método utilizado para a escrita do roteiro, ele num estalo, balançou a cabeça e os braços, fechou os olhos, os abriu e disse: “Frequentemente quando se trabalha, tem um Deus sendo a REFERÊNCIA DOURADA. E os Irmãos Naves tem essa referência dourada”.


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* O clássico “Caso dos Irmãos Naves” ocorreu na cidade de Araguari-MG (1937), em plena ditadura militar, quando os irmãos Sebastião Naves e Joaquim Naves foram acusados pelo Tenente Francisco Vieira dos Santos de terem sido os responsáveis pela morte de seu primo, Benedito Pereira Caetano, que desaparecera levando consigo grande quantia em dinheiro. Durante a investigação nenhum vestígio do crime. Nem o cadáver, tampouco o dinheiro foram encontrados. Provas forjadas. Os irmãos sob tortura, violência e privação de liberdade confessam um crime que nunca existiu. O advogado João Alamy Filho os defende e enfrenta o poder policial e juízes amedrontados e coniventes com o Estado Novo. Todas as decisões favoráveis tanto para responderem em liberdade, quanto para serem soltos quando das absolvições, foram descumpridas pela polícia. Os irmãos permanecem presos até o cumprimento da pena (25 anos e seis meses de detenção). Postos em liberdade condicional (1946), Joaquim Naves falece como indigente num asilo (1948) e Sebastião Naves reencontra o “morto-vivo” em Nova Ponte-MG (1952). O processo é anulado e, pela primeira vez no Brasil, aos injustiçados é reconhecido o direito à uma indenização a ser paga pelo Estado (1960). Decisão histórica.